Dez anos atrás, os Drs. Oscar e Eugenia Giordano realizaram uma reunião consultiva de líderes da Igreja Adventista do Sétimo Dia na África, com a missão de desenvolver um ministério para as milhões de pessoas que vivem com HIV/AIDS.
A denominação tinha recém estabelecido um escritório de HIV/AIDS no continente e nomeou a dupla de marido e mulher como diretores do ministério. A doença era envolta em vergonha, estigma e discriminação, e muitos adventistas na África se esquivavam de falar sobre isso. Muitos membros da Igreja que tinham HIV estavam morrendo porque resistiam fortemente a fazer testes.
Quatro pessoas compareceram à primeira reunião.
“Não tínhamos nada. Não havia nenhuma rede”, Giordano lembra. “A Igreja não estava sensibilizada para esta questão. Sentimos que até mesmo as pessoas [na sede mundial da Igreja] que estabeleceram o nosso escritório não entendiam ainda completamente o que estaria envolvido”.
Agora, uma década depois, o Ministério Adventista Internacional da AIDS ( AAIM ) está coordenando e promovendo centenas de programas de apoio sobre HIV/AIDS tendo por base a igreja local para os que vivem com a doença na África sub-saariana.
Este 10º encontro consultivo africano deste ano, realizada no início deste mês, em Nairobi, no Quênia, atraiu 70 participantes, que trabalham diretamente para a AAIM como coordenadores em dezenas de países e unidades administrativas da Igreja. Mais do que aumento na participação numa reunião, porém, simboliza a aceitação da Igreja em seu papel na luta contra a pandemia, dizem oficiais denominacionais, e dá aos membros e líderes recursos para oferecer assistência e apoio a pessoas com HIV/AIDS.
Na última década, a Igreja Adventista criou mais de 3.000 programas para ajudar pessoas afetadas pelo HIV/AIDS em 26 países. ”Enquanto permanecermos fiéis em responder com compaixão aos necessitados, Deus vai continuar a fornecer os recursos necessários para enfrentar grandes necessidades decorrentes destes efeitos desta pandemia”, disse Geoffrey Mbwana, vice-presidente geral da Igreja Adventista a nível mundial. “Temos visto Deus fazer isso nos últimos 10 anos deste ministério”.
Com certeza, vários ministérios adventistas locais de HIV/AIDS tinham já brotado na África até o ano de 2000. Mas muitos dizem que um esforço coordenado pelo AAIM reduziu o estigma associado ao HIV/AIDS, o que muitas vezes pode ser o maior desafio para a redução da pandemia.
O diretor de Ministérios de Saúde da Igreja Adventista, Dr. Peter Landless, disse que ninguém na denominação fez mais para exortar a Igreja a estabelecer o AAIM do que o seu antecessor, o Dr. Allan Handysides. “Sua visão de 15 anos como missionário na África, sua experiência como médico praticante, e sua metodologia graciosa, centrada em Cristo, na abordagem ao ministério da saúde ajudaram os líderes da Igreja a verem a necessidade de enfrentar o medo e o estigma associados ao HIV/AIDS”, declarou Landless.
O estigma continua a ser a mais importante barreira à ação pública”, comentou o secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki- moon, em 2008. Oscar Giordano diz que o comentário de Ban ainda é válido. A Igreja Adventista tem feito grandes progressos, diz ele, mas muito trabalho ainda permanece a fazer.
“O estigma do HIV/AIDS ainda é muito arraigado em nossas igrejas na África Ocidental, enquanto na África Oriental e Austral, onde o AAIM tem atuado por muitos anos, é muito menos acentuado”, disse Giordano.
No encontro consultivo deste ano, os líderes de ministérios adventistas regionais de HIV/AIDS se reuniram na sede da Divisão África Centro-Oriental da denominação para formarem redes de comunicação e trocarem ideias para o desenvolvimento e implementação de projetos. As iniciativas vão desde campanhas de sensibilização e de geração de renda e oportunidades econômicas para as pessoas infectadas com o vírus ao apoio familiar e aconselhamento individual.
Primeiro diagnosticada em 1981, a AIDS -- síndrome da imunodeficiência adquirida -- é uma doença que enfraquece o sistema imunológico, destruindo lentamente a capacidade do corpo em combater infecções e certos cânceres. É causada pelo HIV-- vírus de imunodeficiência humana.
O vírus não atrai tantas notícias como nos últimos anos, mas ainda mata cerca de 5.000 pessoas no mundo a cada dia, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. O HIV é mais comumente transmitido através do contato sexual, agulhas infectadas e mães de crianças em aleitamento materno.
O estigma na Igreja Adventista -- que promove a abstinência sexual antes do casamento e uniões heterossexuais monogâmicos -- é de que os membros com a doença estavam tendo um caso. Muitas vezes, porém, eles contraíram o vírus sem qualquer falta própria e sim a partir de um cônjuge infiel. Independentemente de como o vírus foi contraído, os líderes da Igreja desejam ministrar e aumentar a conscientização sobre a forma de mostrar compaixão e cuidado. Mas no início, mesmo falar sobre a doença era desconfortável.
“Dez anos atrás, as nossas igrejas na África estavam em negação quase completa sobre questões quanto ao HIV/AIDS”, disse Giordano. “Agora enfatizamos a compaixão e o amor de Cristo. Muitas pessoas na África que contraem o HIV/AIDS perdem seus relacionamentos, família e trabalho”.
Membra da Igreja Adventista, Euginia Keebine disse que descobriu há 16 anos que era soro-positiva. Ela começou um ministério informal de HIV/AIDS e era a única integrante da Igreja Adventista de que tinha conhecimento em sua cidade a divulgar uma condição de soro-positiva. Desde 2010, atuou como coordenadora do AAIM para a Associação Trans-Orange, da Igreja Adventista, com sede em Joanesburgo, África do Sul.
“O programa do AAIM está mudando não apenas a vida dos membros da Igreja, mas também de pessoas da comunidade”, disse Keebine. “Eu costumava não ser autorizado a falar sobre o HIV/AIDS ou divulgar minha condição em algumas igrejas, mas hoje sou livre para falar sobre questões relacionadas com a AIDS. A igreja que costumava ficar em silêncio sobre o HIV/AIDS é agora vocal e membros da Igreja estão a aceitar pessoas que vivem com HIV/AIDS”.
O AAIM alcançou sucesso através de grupos de apoio, incluindo reuniões de várias famílias, grupos de pacientes, avós, ou mulheres e crianças. “É muito difícil para um indivíduo lidar com o HIV e AIDS sozinho, portanto, grupos de apoio são fundamentais”, explicou Giordano.
No Zimbábue, cada uma das cerca de 1.500 congregações adventistas tem um diretor de Ministério de HIV/AIDS, e grupos de apoio atendem a mais de 15 mil membros da Igreja e da comunidade, disse Innocent Gwizo, diretor de Ministérios de Saúde e Coordenador de HIV/AIDS da União Associação do Zimbábue, integrante da IASD. O governo convidou os adventistas a participarem em iniciativas de HIV e tem dado cobertura de TV aos seus programas. ”O estigma e a discriminação deixaram nossos bancos de igreja”, disse Gwizo. ”A Santa Ceia é agora servida àqueles que vivem com HIV, e os seus pés são lavados por qualquer outro membro da igreja. Tudo isso não existia no passado”.
Quando as pessoas sem HIV/AIDS se envolvem, o estigma e a discriminação caem drasticamente, de acordo com Gabriel Maina da Igreja Adventista do King'eero e do Centro de Treinamento do AAIM em Nairobi. O ministério na igreja do King'eero foi fundado em 2002 e desde então tem servido a centenas de pessoas infectadas com o HIV/AIDS, com a ajuda de mais de 300 cuidadores. O centro também já apoiou mais de 600 órfãos da Aids.
Por um tempo, o HIV/AIDS foi tido como em grande parte um problema africano, mas é uma questão global, disse Mbwana, vice -presidente geral da Igreja Adventista. “Nós agora temos uma resposta bem sucedida que tem sido experimentada e produzido resultados positivos”, disse ele. Os Giordanos também serviram como consultores para as Divisões Norte-Americana e Inter-Americana e as Divisões do Sul do Pacífico, da IASD.
O progresso do AAIM em 10 anos é particularmente bem visto por muitos líderes da Igreja, incluindo o nativo de Zâmbia, Pardon Mwansa, também vice-presidente geral da Igreja Adventista a nível mundial. No Concílio Anual de 2003, Mwansa, então presidente da Divisão África do Sul-Oceano Índico, disse aos líderes da Igreja: “Muitas vezes estive num avião para a África e a pessoa sentada ao meu lado dizia que estava indo para a África para estudar a AIDS. Eu sempre me perguntava, 'quando é que alguém vai vir para realmente fazer algo sobre a AIDS?”